quarta-feira, 4 de abril de 2007

Contemporaniedade e cinema

Clouzot: o orixá da globalização

Imigrantes paupérrimos, xenofobia, exploração petrolífera por transnacionais norte-americanas e línguas diversas convivendo em um mesmo território. Apesar desses temas serem tão recorrentes no mundo globalizado atual, o eminente cineasta francês Henry Georges Clouzot já os utilizada em 1953. Em sua notável obra, O Salário do Medo, o famoso diretor, reconhecido por causar terror em seu público, abandona a sua fórmula tradicional para dar a vida a um filme visionário de conteúdo sócio-político.


Ambientado em um país sul-americano, a obra revela o esforço diário de imigrantes europeus que buscam oportunidades de emprego em um ambiente de miséria e decadência moral. A falta de recursos os faz aceitar as mais inóspitas atividades em busca de baixos salários. Um desses casos é o do italiano Luigi(Folco Lulli) que, por conseqüência de desumanas condições trabalhistas, apresenta graves doenças pulmonares que o tornam um cadáver iminente.


Apesar do cenário marcado pelo subdesenvolvimento, coexiste no lugar a SOC -companhia petrolífera norte-americana que explora os recursos petrolíferos nacionais. Idealizada como oportunidade trabalhista pelos cidadãos locais, a transnacional yankee explora seus proletariados com sacrificantes jornadas de trabalho e com ausentes direitos trabalhistas.
Em um de seus incidentes explosivos em uma das plataformas no interior do país, a SOC contrata quatro imigrantes locais, por uma quantia de 2000 dólares cada, para levar dois caminhões de nitroglicerina, substância de alta capacidade explosiva, para findar o fogo no local do acidente.


Inicia-se, assim, a aventura angustiante da personagem principal Mario (Yves Montand) - um boêmio francês que sonha em retornar à sua pátria - e de três outros colegas no transporte de uma carga que, se não bem transportada, pode lançá-los aos ares. Passando por trilhas esburacadas e por percalços diversos, os aventureiros vivenciam momentos de fraternidade, condicionados pela relação de medo, e por episódios vis, em que a ambição pelo dinheiro fere o respeito à vida.

Hábil na criação de personagens metafóricos, Clouzot explora a sua prática em Mr Jô (Charles Vanel) e em Linda (Vera Clouzot - esposa do diretor). Mafioso francês que busca um capital para retornar à sua pátria, Jô retrata a soberba estrangeira em relação aos povos das nações subdesenvolvidas. A personagem simboliza a relação vaidosa entre os europeus e americanos, em que o eurocentrismo beira um certo racismo por parte do mafioso.Já Linda, faxineira apaixonada por Mário, é a personificação da exploração yankee sobre as nações sul-americanas. Renegada pelo francês o qual nutre um amor subserviente, a mulher representa a pátria subdesenvolvida que, mesmo explorada, subjuga-se à exploração das companhias estrangeiras.

Mesmo distinto dos trabalhos antes realizados, O Salário do Medo mantém o caráter incômodo e surpreendente do cinema de Clouzot. Os fãs podem se deleitar com um fino humor negro, como em As diabólicas, e com um final surpreendente, como em O corvo. Com cenários angustiantes, nos quais homens e urubus convivem em ambientes de miséria plena, e com a interpretação memorável de Charles Vanel, o filme foi o único da história a passar por Berlim e Cannes e angariar tanto o Urso quanto a Palma de Ouro. Imperdível, portanto, aos fãs da obra de Clouzot e aos amantes de um cinema que transcende o engajado - conferindo poesia aos mais mórbidos suplícios causados pelo algoz globalização.



Um comentário:

Bruna Bernacchio disse...

Já vi "O Corvo". É um filme pesadinho, mas bem legal de ver. O trabalho é bem feito.